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PORTUGAL

A História e a Museologia na Construção da Sociedade

A História e a Museologia

na Construção da Sociedade

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José Pires

Universidade Fernando Pessoa

A influência - e a importância - da História no comportamento social é cada dia maior. A verdade histórica e a relação com a atualidade social sistematizam o quotidiano humano e forças que, num mundo sem fronteiras, as ratifica e as concretizam num diálogo a duas forças. Não se pode falar de história sem mencionar os museus e a sua importância. É neles que o património e a identidade dos povos perdura e se vê materializada. São os museus que ajudam a definir as sociedades e culturas, mantendo vivas as suas tradições e os seus costumes.

Genética Social e Memória 

Neste contexto é importante questionar-se sobre a importância e o papel dos museus na construção das sociedades e da sua identidade, para além dos métodos através dos quais tal é conseguido. Segundo Francisco Queiroga, arqueólogo e docente na Universidade Fernando Pessoa, “a genética social passa pela forma como determinada sociedade se desenvolveu e tem vindo a evoluir ao longo dum determinado período histórico”. Engloba também a informação guardada nas suas práticas e mentalidades sobre tal percurso, algo resumível com o termo “memória”, um termo importantíssimo neste estudo sobre a história e a sua importância. A memória resume a imagem que um povo tem sobre si próprio, aquela que lhe foi transmitida. Assim sendo, é a este conceito que devemos o sentido de pertença a um determinado grupo identitário e, em simultâneo, de diferença para com outros grupos. É neste jogo de empatias e separações que, segundo Francisco Queiroga, se forma a identidade dum povo.

A realidade é que aquilo que nos é ensinado enquanto crianças, a informação que consumimos não só através da interação com os nossos pais, familiares e conhecidos, mas também através de meios de comunicação como a televisão, e basicamente o ambiente que nos envolve, são fatores decisivos na formação da personalidade, do caráter e acima de tudo do sentido de identidade. Os museus são uma poderosa ferramenta nesta formação, servindo como uma forma não-verbal, mas acessível a todos de transmitir costumes e tradições.

A educação é também fulcral nesta construção identitária, e permite criar nos jovens um sentido de responsabilidade social, tolerância e respeito. Tal afirma Miguel Monteiro de Barros, presidente da Associação de Professores de História, em entrevista ao Jornal Económico, dizendo que “A História é, de todas as disciplinas, a mais bem posicionada para desenvolver o espírito crítico, a tolerância e os instrumentos necessários ao exercício de uma cidadania ativa e consciente. As lições do passado são e serão sempre, indispensáveis para a definição das nossas identidades coletivas e para colocarem em perspetiva o tempo presente, permitindo questionar as opções to- madas pelos nossos políticos, pelos nossos chefes, pelos nossos pares e por nós próprios”.

É ainda importante referir que a transmissão de informação por via escrita é eficaz no sentido em que há uma menor deturpação na informação no momento da passagem desta. No entanto, os métodos verbais atingem grupos maiores de pessoas e com um poder de memorização e interiorização superior. Se assim não fosse, os provérbios seriam não mais do que conjuntos de frases ritmadas. Francisco Queiroga refere ainda que os provérbios são uma das formas mais simples e eficazes de transmissão de informação, já que permitem a sua interiorização por grandes massas de pessoas não letradas, graças à sua forma verbal e à sua fácil memorização. “Quem conta um conto acrescenta um ponto”, adverte, no entanto, referindo-se à ideia generalizada de que na transmissão verbal de informação esta acaba sempre por ser ligeiramente deturpada, um dos perigos dos meios verbais de captação e transmissão de informação.

A forte influência da Museologia e da Arqueologia na formação da identidade

Raças, evolução, superioridade. São conceitos que andam de mãos dadas há séculos e que, pouco a pouco, graças à proliferação da arqueologia e da museologia, vão sendo desmistificados. São vários os exemplos que vêm alterar o pensamento geral de que existem várias “raças” de se- res humanos e de que existem seres biologicamente “superiores” ou “inferiores”.

Em Abril de 2019, foi descoberta numa ilha nas Filipinas uma espécie de ser humano anteriormente desconhecida, o Homo luzonesis. Tal descobrimento é fascinante, do ponto de vista em que ajuda a melhor entender as nossas origens, o passado do ser humano e, duma certa forma, vem mostrar que ainda há muito que não sabemos sobre estes assuntos.Os elementos que permitiram identificar esta nova espécie foram ossos e dentes destes humanos encontrados numa gruta na ilha de Luzón. É possível criar uma ponte entre este acontecimento e a tese defendida por Isaiah Nengo, paleontólogo queniano que, em entrevista ao PÚBLICO, afirmou que “Um fóssil por si só não combate o racismo, mas todos os fósseis que encontrámos podem ajudar”. Nengo, que para além do estudo de fósseis de primata também se dedica ao estudo da influência das alterações climáticas há milhões de anos nos animais em África, descobriu, em 2017, um pequeno fóssil com uns imponentes 13 milhões de anos. O crânio do símio em questão, conhecido como Alesi, permitiu ao paleontólogo desenvolver teorias sobre como seria o aspeto de antepassados comuns entre símios e humanos, fortalecendo a sua tese de que os símios e os humanos tiveram a sua origem e evolução no continente africano.

Todos estes elementos permitem confirmar que a arqueologia e a museologia vêm, duma maneira arrebatadora, criar conhecimento e destruir mitos e dúvidas sobre a nossa história, como humanos, e como sociedades.

Vencedores e Perdedores na História

da história”, pondo de lado as vozes dos derrotados. Mas neste jogo todos os jogadores deviam ter voz. Afinal de contas, a história não é só de quem a escreve. Em conversa com Teresa Toldy, professora na Universidade Fernando Pessoa, chegamos a uma perspetiva interessante sobre ocolonialismo português e a sua misticidade. É muitas vezes referi- do que os portugueses foram algum tipo de colonizadores “diferentes”, mais “amigáveis”, que se misturaram pacificamente com os nativos dos lugares que foram “descobrindo”. No entanto, esta ideia tem vindo a ser contrariada nos últimos tempos, afirmando que a colonização foi ainda assim um processo invasivo e violento. Um perfeito exemplo que Teresa Toldy utiliza para explicar que a maneira como a história é escrita e ensinada acaba por moldar o pensamento e o conceito de identidade de quem dela faz parte.

Aliás, tal tese é também defendida por Barry Halton, jornalista e escritor inglês que reside em Portugal há mais de 30 anos. “Os portugueses gostam de enaltecer a grandeza dos Descobrimentos, mas vivem na fantasia de que foi tudo bonito e limpo”, afirmou Halton numa entrevista à revista Visão.

Dentro deste assunto, é importante relembrar a importância dos museus e da maneira como se conta a História na construção das identidades dos povos e dos seus valores. Não desvalorizando a calamidade do comércio de escravos transatlântico entre África e o “Novo Mundo”, Tidiane N’Diaye, antropólogo e economista franco-senegalês, aponta o dedo aos arabo-muçulmanos como sendo os autores duma escravatura e tráfico de escravos que se estende por quase mil anos e que teve contornos mais violentos que aquele praticado pelos europeus.

Um estilo de “abrir de olhos” para a sociedade, que parece condenar constantemente os povos europeus pela sua atividade esclavagista de maneira inconsistente com a sua aparente apatia para com os arabo-muçulmanos que, segundo afirma Tidiane N’Diaye no seu livro O Genocídio Ocultado, cometeram atrocidades e atos de extrema violência, como castrações aos seus escravos, cuja taxa de mortalidade chegava aos 80% nos adultos. É nestas situações que é importante refletir sobre o poder e a importância da história e da museologia, uma vez que são as entidades responsáveis por criar e alterar comportamentos e ideias pré-concebidas, sempre e quando não haja uma deturpação dos factos e da realidade, algo que nem sempre acontece.

Os Museus, o ensino e a re-escrita da história

Em conversa com Teresa Toldy, professora na Universidade Fernando Pessoa, chegamos a uma perspetiva interessante sobre ocolonialismo português e a sua misticidade. É muitas vezes referi- do que os portugueses foram algum tipo de colonizadores “diferentes”, mais “amigáveis”, que se misturaram pacificamente com os nativos dos lugares que foram “descobrindo”. No entanto, esta ideia tem vindo a ser contrariada nos últimos tempos, afirmando que a colonização foi ainda assim um processo invasivo e violento. Um perfeito exemplo que Teresa Toldy utiliza para explicar que a maneira como a história é escrita e ensinada acaba por moldar o pensamento e o conceito de identidade de quem dela faz parte.

Aliás, tal tese é também defendida por Barry Halton, jornalista e escritor inglês que reside em Portugal há mais de 30 anos. “Os portugueses gostam de enaltecer a grandeza dos Descobrimentos, mas vivem na fantasia de que foi tudo bonito e limpo”, afirmou Halton numa entrevista à revista Visão.

Dentro deste assunto, é importante relembrar a importância dos museus e da maneira como se conta a História na construção das identidades dos povos e dos seus valores. Não desvalorizando a calamidade do comércio de escravos transatlântico entre África e o “Novo Mundo”, Tidiane N’Diaye, antropólogo e economista franco-senegalês, aponta o dedo aos arabo-muçulmanos como sendo os autores duma escravatura e tráfico de escravos que se estende por quase mil anos e que teve contornos mais violentos que aquele praticado pelos europeus.

Um estilo de “abrir de olhos” para a sociedade, que parece condenar constantemente os povos europeus pela sua atividade esclavagista de maneira inconsistente com a sua aparente apatia para com os arabo-muçulmanos que, segundo afirma Tidiane N’Diaye no seu livro O Genocídio Ocultado, cometeram atrocidades e atos de extrema violência, como castrações aos seus escravos, cuja taxa de mortalidade chegava aos 80% nos adultos. É nestas situações que é importante refletir sobre o poder e a importância da história e da museologia, uma vez que são as entidades responsáveis por criar e alterar comportamentos e ideias pré-concebidas, sempre e quando não haja uma deturpação dos factos e da realidade, algo que nem sempre acontece.

A Importância da Verdade Histórica

Cabe aos museus e ao ensino da história desmistificar estes erros e defender a verdade histórica. Aliás, tal conceito está no cerne da formação dos povos como entidades com identidades próprias, e a sua deturpação pode levar a que sejam repetidos erros históricos, o que nos faz lembrar a clássica questão: “Porque é que não aprendemos com os erros?”

Esta questão tem várias respostas possíveis, sendo uma delas, segundo Francisco Queiroga, que o ser humano é, na sua base, um complexo biológico com impulsos e desejos. Assim sendo, o Homem tem uma predisposição para a violência e para a agressão como maneira rudimentar de satisfazer o seu lado “territorial” e possessivo, acabando por ceder a tal impulso, mesmo depois de anos de doutrinação e educação para o reprimir. Mas então, se estamos destinados a cometer os mesmos erros uma e outra vez ao longo da história, qual é o propósito dos museus e do ensino da própria?

A realidade é que a Humanidade vive um período de paz nunca antes experienciado. Existem conflitos pontuais no mundo inteiro. No entanto, num nível macroscópico e em comparação com a história do ser humano, nunca se viveu um período tão pacífico e escasso em guerras tão massivas como o foram as duas Grandes Guerras no início do século XX ou as inúmeras guerras que marcaram a pré-Modernidade do Homem. Tal poderá ser fruto da crescente literacia dos povos e do seu conhecimento histórico, um resultado dos avanços tecnológicos e sociais da Humanidade.

E a quem devemos este aumento do conhecimento histórico? À educação e acima de tudo à museologia e ao seu papel na vida diária das pessoas e na sua formação. É por isso que se torna tão importante esta procura pela exatidão, pela verdade histórica, pela manutenção dos museus e pelo seu crescente envolvimento na educação e na vida das pessoas, de forma a que de uma maneira global os erros históricos possam ser evitados e possamos com eles aprender e evoluir como sociedades.

Os museus contam uma história, ou uma sequência de estórias, as raízes de um povo e os seus costumes, os seus valores e aquilo que defendem. Por vezes imparcialmente, por vezes de maneira a exaltar os “vencedores

"LUGARES COM HISTÓRIA"

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Lara Meireles | Martim Torres

Museus Históricos como materialização da memória

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Lara Meireles

Universidade Fernando Pessoa

O desenvolvimento da sociedade e o comportamento de cada indivíduo pode ser regulado através de vários fatores. Um deles é a História, que pode ser transmitida através dos Museus Históricos. Teresa Toldy, docente da Universidade Fernando Pessoa e investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, explica-os como a “materialização da memória histórica”, um processo que permite um reviver interior por parte de quem os observa e um marco fundamental no desenvolvimento da sociedade na medida em que evita erros do passado e perspetiva um futuro melhor pelo conhecimento mais aprofundado do que já ocorreu. De igual forma, Cláudia Ramos, docente na mesma Instituição e especialista em Ciência Política considera o Museu como “História Viva”, por surgir como base para a interpretação do passado, pelo que criador de memória pela materialização dos seus factos.

Cultura, História e osmose, na Memória

A ‎02 de setembro de 2018, a história de um país e do mundo sofreu um duríssimo golpe. O trágico incidente do incêndio no Museu Nacional do Brasil significou a destruição do património histórico, científico e cultural do país, uma devastação inconsolável e irremediável. Considerado como um dos maiores locais históricos e científicos do país, o impacto deste fogo traduziu-se numa perda irrecuperável no contexto histórico de um país tão rico como o Brasil e profunda e largamente representativa para o Mundo. Eram inúmeros os objetos de coleções e descobertas arqueológicas e científicas. O espólio não está ainda quantificado e mesmo não se sabendo se algum dia ficará, os números apontam para 20 milhões de itens desaparecidos.

Inegável é que, tal como assume Rui Maia, sociólogo, investigador e docente na Universidade Fernando Pessoa, “os museus cativam a memória e permitem voltar atrás para saber quem somos, enquanto povo”. “Nós somos resultado do passado”, reforça o investigador. Na verdade, o lugar do Museu Histórico no desenvolvimento de uma sociedade de direito constitui-se por um profundo e amplo impacto, basilar no entendimento dos processos e caminhos até à atualidade. De facto, como regista o sociólogo, os museus, tendo a função de cativar a memória, registam nesses espaços aquela que se refere a determinado tempo, época, acontecimento e pessoa, ou esta (livre) correlação.

Mas esse impacto nem sempre parece ser tão eficaz como se previu. Apesar dos esforços dos espaços museológicos em se adaptar às novas tecnologias, não se efetiva, ainda, o valor social desse impacto e as sociedades não revelam o devido valor ao Museu Histórico… As razões são efetivas e dependentes de uma conjuntura educativa, aliás, tal como explica Teresa Toldy, “cultura e literacia são fatores que podem estar relacionados com a falta de importância das pessoas face aos museus, mas também a existência de museus mais atrativos/interativos que outros”. Desta forma, a falta de uma literacia aliada ao conhecimento existentes nos museus, provoca a falta de importância dada aos museus, estes que se constituem como tesouros da memória.

A linha contínua da História, no Museu

Dois elementos essenciais numa sociedade, a literacia é, na cultura, a razão e o cruzamento dessas memórias como forma de adquirir conhecimentos socio-comportamentais, desenvolver as próprias potencialidades e participar, de forma ativa, na sociedade. Porém, parece que ainda com muito parcos reflexos geo-políticos e económicos, face ao atroz, recente e atual, cenário mundial. Assim, ainda perdida pela falta de importância e apelo do seu impacto, é urgente e necessário um investimento face à História e à sua verdade e tessitura.

E é desta forma que todas as sociedades são esse “produto das gerações anteriores quer a nível individual, mas também a nível coletivo”, como afirma Teresa Toldy. E porque a realidade que nos envolve é o reflexo da História que se vai fazendo, é fundamental saber cuidar dela, reconhecendo-a, ainda de forma crítica, como ferramenta de contextualização (até de perceção) da atualidade. Cláudia Ramos, especialista em Ciência Política e do Comportamento e docente da Universidade Fernando Pessoa, refere que a História “é um discurso presente de interpretação do passado”, sendo, como diz, o álbum de fotografias um exemplo disso, no sentido que “quando escolhemos as fotografias com que pretendemos compor o álbum, estamos a criar uma história”, conclui docente e investigadora.

E é na tentativa da exaustividade factual da preservação e da continuidade histórica que o Museu pode - e deve - ser considerado um lugar imersivo, história viva, retomando, por isso, o conceito de ferramenta de ensino e de conhecimento, acima de tudo, porque, tal como afirma Francisco Queiroga, arqueólogo e docente na Universidade Fernando Pessoa, “há um grande nivelamento na formação cultural, nas fases importantes”, acrescentando que “estas forças de nivelamento e mediatização vão desenvolvendo um papel educador, mas também de esbatimento das características culturais locais”. 

A História, o Ensino e aprendizagem

O ensino exige, por seu lado, vertentes que permitam a contextualização correta da História, para uma melhor perceção do que ocorreu. Mas como reitera Queiroga, “com um processo de aprendizagem igual para todos”, baseado em programas nacionais pré-estabelecidos, aos professores pouco mais há que fazer do que transmiti-los. De facto, no Ensino, como aponta Teresa Toldy, “ocorre um grande apelo à memória, negativamente, porque não se apela ao pensar e ao argumentar” ainda assim, um cenário mais ou menos dramático por depender, como explica Rui Maia, do “interesse do alunos e da atratividade pedagógica do professor”.

Por outro lado, pelo impacto das novas tecnologias da comunicação e dos Media, a métrica do valor do conteúdo ocorre numa concentração sistemática no pós-acontecimento e não na sua decorrência e contextualização. A uma escala mais abrangente e transversal, os Museus estão no lado oposto, com uma cada vez menor influência e importância social e educativa, o que, reitera Toldy, leva a “uma falta de memória histórica, a um vazio e a uma falta de perspetiva”. Mas será que a culpa da História, da Cultura e a do Ensino morrem solteiras?...

“A História é a disciplina que passa a identidade nacional, que explica o país que somos”, confirma Rui Maia. Factual, pela apuração da verdade, a História que é feita, essencialmente, pela voz dos vencedores, merece, cada vez mais, ouvir a voz dos vencidos e é este desfasamento que os espólios museológicos podem - e vêm - completar. Ao cada vez mais veloz impacto do click, o comportamento social, pela não ponderação e aglutinação crítica dos conteúdos, pode

ser interpretado como variável promotora de teores desviantes da verdade histórica. Ou seja, ainda que haja, de facto, algo ou alusão aalgo de verdadeiro no assunto apresentado, a ausência de conhecimento e crítica sobre esse conteúdo implica que as pessoas que estão dispostas a ouvir “quando se capta a sua atenção, engolem tudo o que venha a seguir”, desabafa Teresa Toldy, uma abertura acrítica que poderá (des)encadear, um processo demagógico, nesse relatoou argumentação histórica. Neste sentido, o contacto com outras culturas é fundamental e “o Ensino tem um papel fundamental para fomentar o diálogo de uma cultura diferente, com outra”, atual ou não. Esta fusão de culturas e tempo permite a construção e aprendizagem plana, da História, num impacto positivo, transversal, mas certificando a correlação entre a amplitude do impacto do conteúdo, com a sua presença e atualidade.

Por esta razão, no combate à ausência de memória histórica, desse vazio e dessa falta de perspetiva, mencionados por Toldy, a educação social é também um aspeto a desenvolver, paralelamente. A verdade é que é crucial ensinar como interagir em respeito, com o outro, a partir da sua realidade global e circundante. Já que, a Educação para o Desenvolvimento visa a mudança, a transformação do mundo em que vivemos, que hoje é o planeta e todo o espaço que o envolve. Logo, o Ensino deveria estar focado na qualidade e não na quantidade, para que seja possível aplicar os conhecimentos apreendidos. Ou seja, “o Ensino deveria estar virado para uma valorização do diálogo intercultural”, tal como valoriza Teresa Toldy, para que fomente a construção da História, numa aprendizagem transmedia, onde os diferentes meios e locais transmitem diversos conteúdos específicos em si, mas complementares pelo que englobantes, radiais, amplificadores e ampliados.

A questão permanente é se aprendemos, ou não, com a História e a resposta deveria ser positiva, mas tal como Teresa Toldy argumenta “do ponto de vista formal, escolar, a História é dada de forma que não é História política, o que contribui negativamente para se perceber a relevância da História”, ou seja, o Ensino não está vocacionado para uma aprendizagem, mas para uma memorização seletiva. De igual forma, Cláudia Ramos refere que não se aprende o suficiente com a História “pelo modo como a educação formal é efetivamente ensinada de forma breve, nas áreas académicas ocorre um desfasamento nas coisas que mobilizam a atenção e a própria linguagem tradicional na escola”. Ou seja, a forma como a educação é ensinada determina a aprendizagem que os alunos adquirem e que, tal como se verifica, não é a mais correta e tem consequências a nível de literacia de cada um. Sendo que a democratização da educação faz referência a um processo impulsionado pelos sujeitos da educação, professores e professoras, estudantes e pais e mães de família, e suas organizações sindicais e sociais, para participarem na condução da educação.

Museus, vitrines e História

Tudo nesta dinâmica alude à perda de memória histórica e, com ironia, explica a repetição, quantas vezes entrópica, da História… Mas face à recorrência desta não aprendizagem com o passado, Francisco Queiroga explica que, “enquanto animais, temos impulsos que estão sempre presentes no nosso processo evolutivo, logo, a biologia impõe determinados comportamentos… a maioria negativos”. Porém, em detrimento do passado, na mente social, coletiva, a ideia que está interiorizada é que só o futuro importa. Mas ainda surgem pequenas soluções que podem ajudar neste sentido, como as experiências imersivas e o relato de testemunhos diretos de quem passou pelas situações que a História recorda.

Neste sentido, a construção (e o comportamento) da sociedade está inteiramente relacionada com a osmose entre a atualidade e a cultura que, presente nesses espaços contribui para a formação dos indivíduos no contexto social, aludindo a uma memória enriquecedora, por transmissão. A identidade cultural surge, então, como elemento preponderante em todo este processo de criação de conhecimento, tendo, também, no Ensino tanto a sua raiz como o seu produto. Explica Rui Maia que, a História tem a capacidade de fazer “com que as pessoas a agarrem, interpretando-a.” De facto, acrescenta o sociólogo “a História tem capacidade de ser reinterpretada” transformando, por isso, o presente, “muito o produto do que fomos”, assegura o investigador.

E é aqui que também os museus de história local têm a capacidade de fazer ponte com o lugar que, não raramente, se pensa conhecer. É, então, neste cenário socio-educativo que conceitos como transnacionalismo têm uma referência no desenvolvimento da História já que, como “referência fundamental da nossa forma, demarcarmos a identidade nacional”, salienta Cláudia Ramos e as relações que deste fenómeno decorrem, contribuem para a História na medida em que “correspondem à mudança dessa História, construindo-a”, conclui a investigadora. Por seu lado, Teresa Toldy salienta a importância da conservação da memória histórica para o desenvolvimento das sociedades confirmando essa preservação como “uma forma de evitar os erros passados e abrir portas a um futuro com melhores perspetivas”.

A História viva, comportamento e sociedade

A construção da sociedade resulta de vários fatores, sim, mas um, essencial, é, então, a própria Museologia. A preservação do passado histórico tanto pelo Museu histórico como no Museu vivo, sítio arqueológico, lugar temporal imersivo, que se obtiveram por via da preservação e na exposição dos achados. O conhecimento histórico tem, então, um impacto na construção da sociedade que se reflete a partir da aprendizagem - pelo que, no Ensino e no acesso à Cultura - em que segundo Cláudia Ramos é dada “uma visão do mundo, ou seja, uma profundidade nas coisas”. Ou seja, o Ensino e Cultura surgem como ferramentas essenciais para a aprendizagem do conhecimento histórico.

Na verdade, de acordo com Francisco Queiroga, a Museologia “é uma área disciplinar que depende de outras, como a arqueologia, para fornecer peças e o seu significado”. Ou seja, a partir de documentação recolhida e através dos seus métodos, a Museologia utiliza a Arqueologia de forma pedagógica para passar determinada mensagem e fazer com que a informação seja facilmente apreendida pelo público visitante.

Por outro lado, documentários, testemunhos, filmes, livros, relatos fotográficos e outros media, bem como novos dados, pelo que novos eixos e ligações, surgidos de pesquisas e descobertas, contribuem para que se aperceba da importância que, cada vez mais, a História desempenha, nos dias de hoje e, como ela, pode ser condutora de conhecimentos relevantes para a sociedade, mas, também, salienta Teresa Toldy, para o “comportamento do indivíduo no contacto com os outros e/ou diferentes culturas”. Neste sentido, a História assume uma importância relevante na sociedade e na aprendizagem de cada indivíduo.

De acordo com Queiroga, “essa mensagem é um conjunto de informações que tem um determinado objetivo, tanto positivo como negativo”, sendo que a preservação da História é essencial para perceber os mecanismos deste sistema de progressão e correlação da memória e da verdade histórica, tanto para a avaliação das possibilidades do presente como para planear o futuro. Dentro deste contexto, a museologia estabelece a relação com a continuidade histórica e exerce um papel impactante no ensino proativo da História. Com o tempo, os museus vão-se diversificando e segundo o pensamento de Queiroga, os museus vão igualmente “conquistando novos espaços e obrigando a museologia a reformular-se”.

Na realidade, essa mediação educomunicativa do espólio museológico, por um lado, verifica uma ausência física, por outro, começa a abrir fronteiras através do Museu virtual, um espaço que permite o estabelecimento de relações imersivas com o visitante web, abrindo e estimulando espaços cognitivos lúdicos, informais e afetivos - e, por isso, construtores e conectores de memória – como elemento de estratégia de comunicação numa sociedade global. De facto, o museu virtual é, cada vez mais, um mediador privilegiado, numa realidade cada vez mais premente desta sociedade cada vez mais transnacional.

Museus Históricos como compilação da Memória

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Martim Torres

Universidade Fernando Pessoa

“A história não se repete... Pode ser parecida, mas não se repete”, assegura José Soares Martins especialista em Psicologia Social e docente da Universidade Fernando Pessoa, no Porto. De facto, “a História podia ser a nossa memória, um livro aberto”, explica o investigador. E podia, porque “o Homem não aprende”, conclui. Por outro lado, “a História é, de facto, o maior instrumento de aprendizagem social”, como Rui Maia, sociólogo, investigador e colega na mesma instituição. Mas, então, se a Humanidade encontra, como afirma Soares Martins, “novas formas de reinventar a História” e se esta procura de imitar o passado se justifica porque “o presente não está a dar respostas”, como explica este investigador, qual o impacto social do desaparecimento de um Museu?

O ensino da História como fundação da sociedade

A História para além de enraizar a identidade, funciona como propulsionadora do pensamento crítico e, por isso, como uma das disciplinas que melhor estimula a multiperspetiva e social, humana e psicológica e de retrospetiva através de factos que poderão aparecer, da primeira vez “, em forma de tragédia, da segunda de tragicomédia”, afirma Soares Martins. De facto, como reforça Rui Maia, a História “tem essa capacidade de nos deixar perceber o que vai acontecer e de relativizar os acontecimentos”

E porque a identidade cultural, assim como a identidade social dum povo - “mas, sobretudo, a identidade cultural” alerta Soares Martins - é a coluna mestre da nossa identidade, o impacto da dinâmica pedagógica baseada, também, na prática museológica, é basilar na apreensão dessa identidade e na construção subsequente do comportamento social. E é face a este cenário que Rui Maia descreve como o ensino da História “evoluiu no sentido de concretizar esse mesmo impacto”, isto é, expandiu-se do ensino, por memorização, de figuras únicas e do conhecimento e entendimento dessas conjunturas e acontecimentos, para a atual aprendizagem e reflexão, através da compreensão do desenrolar desses mesmos acontecimentos e das suas consequências.

 Porém, há, de facto, coisas que se ainda se ensinam e que, a verdade é que, “não fazem sentido aprender”, assume Teresa Toldy, investigadora do Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra e também docente na Universidade Fernando Pessoa. Neste cenário, para a investigadora, acima de tudo, está em falta “ensinar a pensar, a ter pensamento crítico”, o que se traduz, por isso, numa ausência dessa necessária dimensão reflexiva (e contemplativa) da História, no seu ensino; do potenciar do sentido crítico pelo raciocínio dialogístico e multiperspetiva, de forma a evitar essa versão tragicómica, descrita, acima, por Soares Martins. Desta forma, Toldy aponta para um ensino que dinamize e aglutine esse conceito de identidade, agora, social. Ou seja, que, através de um modelo explicativo, se esclareça “porquê é que aconteceram as coisas", uma dinâmica de aprendizagem que, voltando a Soares Martins, poderia limitar a Humanidade na reinvenção da História pela imitação do passado, aprendendo com ele. A escola tem, por isso, “um papel fundamental” no sentido de estabelecer “o diálogo entre pessoas provenientes de culturas diferentes umas das outras”, enfatiza Teresa Toldy.

James Loewen, autor do livro Lies My Teacher Told Me (1995), corrobora, insistentemente, esta lacuna que o ensino da História revela

"LUGARES NA HISTÓRIA"

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Lara Meireles | Martim Torres

localizando-a na dificuldade que os livros que a compilam têm em a explicar. “Eu acho que os manuais falham no ensino do o que é que causa o quê. É sempre uma coisa a seguir à outra. Temos que aprender todos aqueles pequenos factos”, reunidos em compilações sistematizadas e compiladas de acordo com contextos diferenciados e em que a sua dinâmica pedagógica não transforma estes micro-registos em macro-cenários.

Isto porque, a verdade é que “um acontecimento histórico só é lido com propriedade se for lido à luz do tempo em que aconteceu”, considera Rui Maia pelo que, numa perspetiva mais ampla em relação à História e ao seu impacto na cultura de uma civilização, não só o estudo desta área transdisciplinar e torna essencial, na medida em que nos permite perceber a atualidade como decorrente duma sequência de eventos como permite criar cenários banda-larga, sim, mas, ainda assim, delimitativos e antecipadores de determinados comportamentos (e suas consequências) com base no estudo transversal de acontecimentos registados. E mesmo nunca se repetindo, nunca se fazendo juízos segundo as conceções do nosso tempo, “podemos prever porque a História nos deixa lições muito claras”, acrescenta o sociólogo.

A questão talvez esteja, então, não só na forma como se regista os eventos que constituem a atualidade – isto é, quanta verdade e quanto se perdeu na cronologia da História, percebendo-se por isso, nos seus conteúdos características evolucionárias – e na dificuldade que se mantém, tal como assegurou anteriormente Soares Martins, em não sermos capazes de modificar ou de corrigir um problema, mesmo conseguindo prevê-lo…

Museu como compilador de Cultura e guardião da identidade

“O que nós temos hoje, relativamente à cultura greco-latina, é uma ínfima parte dos conhecimentos que estavam na Biblioteca de Alexandria... Não fazemos ideia do que lá estava, nem que tesouros filosóficos, científicos, literários estavam lá. Isso perdeu-se, morreu”, aponta Soares Martins. E em que ponto estaríamos se esses artefactos tivessem chegado, até agora, intactos? “Nunca saberemos!” é a verdade irredutível e enfática assumida pelo investigador.

Neste evento, o fatídico desígnio pode ter sido um acaso, ainda não se sabe, mas a perda de património tem, demasiadas vezes, a mão do Homem. O facto é que a sociedade não pode viver sem memória e são ciências como, por exemplo, a Arqueologia, a Paleontologia ou a História e as suas ciências auxiliares que a mantêm viva, pelo que a identidade social ulterior.

Ora, saber que passado nos edificou, “e isso é que nos vai permitir saber, como dizia o Kant, para onde vamos”, diz Soares Martins, pelo que, para além e em conjunto com os livros, entram em cena, neste exato momento, os museus e a Museologia os quais, pela sua capacidade de cativadores de (e da) memória, permitem o voltar a esses lugares e eventos, no redescobrimento dum povo e de uma sociedade. E é por isso que, sem preconceitos e sem paixões, entender como o presente é resultado do passado - com “distanciamento em relação aos temas”, como reforça Rui Maia - permite a reinterpretação e o (re)acerto da História revelando o seu sentido identitário, trans-social e transcultural, com tudo aquilo que pode ser de crítico, negativo ou positivo.

Parece, no entanto (apesar de compilador de Cultura e guardião da Identidade), existir ainda um caminho a percorrer face à aparente falta estímulo da função educativa do Museu - neste caso, histórico -, potenciando a relação sinérgica destas instituições com as escolas. E a verdade é que já a tradição oral comprova que a sociedade está dependente da continuidade da memória, da preservação da identidade sociocultural, que o Museu e a Museologia impulsionam através da apresentação dos factos e que tanto podem “consubstanciar a diferença”, como potenciar a “desmistificação de imagens pré-concebidas”, explica Francisco Queiroga, arqueólogo e docente na Universidade Fernando Pessoa, podendo esta ser a resposta que também negaria aquela afirmação icónica de Gore Vidal no seu Imperial America: “não aprendemos nada porque não nos lembramos de nada”…

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